sexta-feira, 13 de março de 2009

O derretimento do jornalismo nos Estados Unidos II - como salvar os jornais (e o jornalismo)

“... e suspeito que 2009 será lembrado como o ano em que as organizações jornalísticas perceberam que novas rodadas de cortes de gastos não podem afastar indefinidamente o carrasco.”

Esta semana, depois de postar a primeira parte da repercussão do artigo escrito pelo jornalista norte-americano Walter Isaacson, busquei dois colegas que pudessem opinar sobre algumas das soluções apresentadas como saída para o sufoco que as novas tecnologias estão impondo ao tradicional modelo de negócios de venda de jornais.

Um deles, Luiz Octávio Augusto de Lima, editor sênior de web do Diário do Comércio (ACSP), foi editor-executivo do jornal O Estado de S. Paulo, tendo participado da criação do primeiro projeto de Internet da casa, com passagens pelas redações de Veja, O Globo e Folha de S. Paulo. O outro, Marcelo Fairbanks, praticamente nasceu dentro da Redação de um dos veículos mais tradicionais da mídia especializada: a revista Química e Derivados, que este ano completa 40 anos de vida () e é hoje por ele editada. A publicação hoje integra um grupo de vários outros tradicionais veículos especializados dentro da Editora QD. O publisher é seu pai, Emanoel Fairbanks, um dos três diretores editoriais que herdaram, ou melhor dizendo, adquiriram o título à época que pertencia à Editora Abril de Victor Civita, e este não mais o via como um título promissor dentro da Abril_tec. A história completa está toda no link e vale a pena ler, porque muitos colegas continuaram a manter seus empregos graças à paixão e à teimosia destes três profissionais.

Pay-per-use

Pois bem: sobre os dois modelos de negócios sugeridos por Isaacson, vale dizer que o primeiro deles já é amplamente usado no Brasil. É o consagrado pelo Wall Street Journal, no qual cobra-se pelo acesso às edições eletrônicas por meio da exigência de uma assinatura mensal.

O segundo, ao qual o articulista chamou de a “chave para atrair renda por meio dos serviços oferecidos na rede” é o de criar um sistema de micropagamento, que permita, por meio de um clique, as aquisições casuais de jornais, revistas, artigos, acesso a blogs ou vídeos, ao preço de US$ 0,05, US$ 0,10, US$ 0,50; ou seja quanto for que o seu autor deseje cobrar”. Algo como o pay-per-use, feito pelas Tevês pagas.

Isaacson dá exemplos concretos, como os usuários do Facebook, que usam suas contas do serviço PayPal e os cartões de crédito para obter dinheiro digital gasto em pequenas quantidades; ou os do Twitter, que têm no Twitpay um serviço de micropagamento para o aplicativo de micromensagens. Chega a mencionar aqueles que estão acostumados a utilizar sistemas de transporte para ir e vir do trabalho e estão acostumados com artefatos como o E-ZPass (semelhante ao Bilhete Único e ao Sem Parar empregado nos pedágios brasileiros), debitados automaticamente quando o usuário passa por uma cabine de pedágio na rodovia. Ele diz que se “fosse o administrador do New York Times, do Wall Street Journal ou do Los Angeles Times, assumiria a vanguarda ao criar meu próprio sistema de troco digital ou Bilhete Único de micropagamento e tentaria fazer com que outros criadores de conteúdo, utilizassem o mesmo sistema”. Sua opinião é a de que da mesma forma que “as lojas aceitam diferentes cartões de crédito, os sites deveriam aceitar diferentes sistemas de micropagamento, porque, de tão fácil de usar, o internauta mal pensaria antes de efetuar uma compra impulsiva”.

O sistema poderia ser empregado para todos os tipos de mídia – de jonais e revistas a músicas passando por imagens pornográficas e monografias programáticas, reportagens de cidadãos jornalistas, receitas de grandes chefs e músicas de bandas alternativas. Além de garantir a sobrevivência das formas tradicionais de veiculação de mídia, também estimularia os cidadãos jornalistas e os blogueiros, ele acredita. “Um sistema de micropagamento permitiria que as pessoas normais, do tipo que precisa se preocupar em sustentar a família e pagar as contas, complementassem sua renda por meio do jornalismo cidadão, um trabalho valorizado pela comunidade”, complementa.

Irônico, ele também defende quem prefere pela manutenção da gratuidade, ou da dependência de um sistema de gorjetas para doações voluntárias, ou do subsídio de organizações de interesse público ou proprietários ricos. Acha ótimo, como política saudável de composição de modelos de mídias, veículos e modelos de negócios diferentes. “Mas um sistema de micropagamento também ofereceria uma outra opção”, insiste. Para Isaacson, os jornais que avaliassem o valor da sua produção diária na casa de US$ 0,10 - e cujos leitores concordassem com este valor - poderiam acabar cobrando US$ 0,10, aumentando assim sua chance de sobreviver e até de prosperar. As pessoas trabalhando num jornal como esse sairiam de suas camas todos os dias motivadas pelo digno incentivo de produzir um jornal que os leitores considerassem valer ao menos US$ 0,10.

Aqueles que acreditam que todo o conteúdo deve ser gratuito devem refletir sobre quem abriria sucursais em Bagdá ou voaria até Ruanda para trabalhar como freelance dentro de um tal sistema.

Assim, espero que 2009 seja o ano em que alguns bons jornais e outros criadores de conteúdo valioso comecem a cobrar pelo acesso ao mesmo.

O que pensam os editores brasileiros


Luiz Octávio Augusto de Lima acredita entre nós este sistema é mais comum em sites de música, que cobram algo em torno de R$ 0,90 por download. Os sites enviam uma autorização formal de uso a cada arquivo baixado, como ocorre com fotos de agências, com preços diferentes dependendo da resolução. No caso dos artigos de jornal, o sistema pode funcionar não apenas mediante pagamento de centavos, mas também - talvez até principalmente - com a compra de créditos que permitam uma série de downloads. “Ainda não está assimilado pela nossa cultura, mas é importante que este sistema seja implementado em larga escala o quanto antes. Seria interessante também para se obter matérias antigas (e bem antigas) das publicações (pesquisa no banco de dados), sem que fosse preciso ir à sede do jornal ou revista ou fazer pedidos e aguardar o envio por correio, como geralmente acontece. Além de facilitar a vida do leitor, pode ser uma boa fonte de renda para as empresas que cada vez mais e mais rapidamente vão se confrontar com essa migração do seu público para a internet”, acredita.

Já Marcelo Fairbanks é mais cético. Para ele, os micropagamentos ainda trafegam num “wishfull thinking”, em tentativa de uns poucos jornais e revistas. “Faço votos que isso prospere. Como gerador de conteúdo, vejo a internet como um ralo sem fundo, um verdadeiro ladrão de informação. Essa idéia de que a publicidade bancaria todos os custos dos veículos é uma roubada enorme. Acabou viciando o leitorado em receber informação de graça, quando, na verdade, informação boa custa caro. Informação grátis ou é velha, ou é porcaria. Geralmente release aproveitado sem nenhuma visão crítica. Pode ser bom para o cliente, mas é ruim para o consulente (o nosso antigo leitor). Se não se descobrirem uma forma de tirar dinheiro pela rede, as revistas e jornais vão fechar (ou serão bancadas por interesses espúrios). Depois disso, quero ver se os nossos leitores sairão pela rua com as mãos trêmulas, delirando pela abstinência forçada de notícias. Acho mais provável que eles repousem suas nádegas nas poltronas e fiquem prostrados na frente dos televisores absorvendo todo o conhecimento elevado e filosófico de um Big Brother Brasil”, vaticinou.

Todos, sejam os editores acima, o atual presidente do Instituto Aspen, alguns leitores deste modesto blog e jornalistas como eu vão concordar que se fazemos o que fazemos é porque, sobretudo, amamos o que fazemos – Isaacson fez esta declaração em seu artigo.

Acreditamos no seu valor para a sociedade e que, por isso, ele deve ser valorizado por quem o recebe – e daí minha insistência pela colaboração de todos na consulta pública em curso até o dia 30 de março – sobre o futuro do jornalista profissional.

As palavras a seguir, deixo-as em aspas porque não tenho nada a acrescentar; faço das do jornalista Walter Isaacson as minhas, quem sabe as de vários leitores. Se você for um deles, deixe seu recado também. Tome uma posição:

“Nessa nova era digital, a definição do jornalismo está mudando. Não se trata mais de algo que é escrito na pedra e concedido ao público pelos altos sacerdotes da profissão e pelas principais empresas de mídia. Ele pode assumir formas que sejam, felizmente, mais pessoais e opinativas e cheias de atitude. O jornalismo tem a habilidade de ser mais interativo, colaborativo, "wikipédico", produzido pelos leitores e de borrar a distinção entre o jornalista sagrado e o cidadão consumidor.”

“Certas características definidoras do jornalismo não deveriam ser mudadas. Esses valores centrais permanecem no núcleo do jornalismo do qual nós necessitamos enquanto comunidade humana. O jornalismo precisa tentar preservar sua credibilidade. Seus praticantes precisam ter a mente aberta e ser honestos conforme reúnem e transmitem informações, seja da Faixa de Gaza ou da prefeitura local. Nós, leitores e consumidores, precisamos poder confiar neles - precisamos saber que eles estão tentando servir a nós e não a algum objetivo secreto. Eles precisam ter como objetivo a verdade. "A ideia de que haja algo como a verdade foi muito mal falada nos últimos 30 anos", disse Kurt Andersen na conferência realizada no Instituto Aspen no último verão, "mas ainda acho que a busca pela verdade é aquilo que deve mover os jornalistas".

“O verdadeiro objetivo do bom jornalismo deve ser o serviço ao leitor.”


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