quarta-feira, 27 de julho de 2011

Viva Ginaaaaaaaaa (livro-verdade)

Agora me digam. Tem que ser muito confiante e persistente para conseguir chegar até aqui, não? Senão, vejamos. Sem falsa modéstia, talento e certo charme eu até tenho – não raro ainda recebo lá uma ou outra declaração via mídias sociais, e,nem tanto tempo assim, até assediada por um comandante num cruzeiro de três dias eu fui; mas isso é capítulo à parte. 

Tudo poderia ter sido muito diferente: meus pais levaram mais de 10 anos para se casarem por causa destas coisas de religião. Ele vinha de família tradicional suíço-francesa protestante; ela, de origem polonesa-judaica.  Até aí, nem tanto problema. A questão começou quando resolveram... fazer  planos.  Curtir adoidado a vida a dois para depois formar família era o objetivo, lá pelo terceiro ou quarto ano. O problema foi terem engravidado logo na lua de mel.

“Mas a ginecologista me garantiu que com o útero virado, eu só engravidaria depois de um demorado tratamento”, dizia minha mãe. Tanto que, de vergonha – sim, coisas da época - escondeu-se de todos para não ouvir a zombaria dos amigos enquanto a barriga crescia.    

Passados dois anos, com minha irmã mais velha em idade de ter então, um irmãozinho, o Daniel - porque eles, papai e mamãe, queriam um Daniel - começaram a... fazer planos em torno do Daniel, de novo. Pior. Inadvertidamente prometeram isso a ela, como se pudessem - tolinhos.  Aliás, a ela e à empregada.  Disseram literalmente que mamãe estava preparando o Daniel. E sua barriga ia crescendo, crescendo, crescendo.  Virou, segundo palavras textuais dela, um navio.

Mas a culpa não foi totalmente da dupla meupai&minhamãe. Nããããããããão, esta é devida ao médico obstetra, claro, cujo nome deve estar na minha certidão de nascimento e que por pena à família dele, vou poupá-los de saberem. Afinal, quem não teria ímpetos de linchá-lo? Eu nasci ainda antes da tecnologia da ultrassonografia. Pois bem: na auscutagem provavelmente minha querida gêmea – gerada depois de mim, portanto, à frente na barriga, resolvia brincar de esconde-esconde e me cobria de todos. Resultado: só souberam tratar-se de um parto duplo, na hora H, quando a bolsa estourou prematuramente, no exame do oitavo mês.

“Como dois bebês? Eu só tenho um enxovaaaaaaaaal! Um berçooooo!”, chorava minha mãe, enquanto subia no elevador rumo à sala de parto.

Sentiu a situação? Deu para ter a noção de como nós, pequenas e completamente indefesas, geradas naquele útero de dimensões transatlânticas, ouvimos e recebemos ESTAS saudações de boas-vindas, a esta altura do campeonato? Do quanto seria nosso comportamento, gravando estas sensações para a formação de nossa auto-estima? Fala sério!

Diz a lenda familiar que meu pai, até então sem saber de nada, lia o jornal de cabeça pra baixo enquanto o médico fazia o parto. Ao retirar a minha irmã e mostrá-la – certamente gerando nele um inesperado e amarelado sorriso (de quem fumava, claro!), eis que o médico então pede que meu pai aguardasse, porque, sim, tem mais uma. Aí é que meu pai deve ter mastigado o cigarro, amarelado de vez e sentido o chão faltar. A razão disso? Euzinha, a mais velha das gêmeas, nascida com apenas dois minutos de diferença da primeira! E a culpa disso tudo? Pô, só de nascer já sou culpada? Caraca!  

Sem um útero só para mim, com minha mãe chorando montes e meu pai sem chão, ainda tive que passar uns dias na incubadora. Juntas é que somávamos 3,5 kg, o peso de um bebê normal. Não rolou nada de amamentação no peito, foi leite Ninho e olhe lá. Isso tudo para chegar em casa por uma porta, e, segundo contou minha mãe anos mais tarde, ver a empregada saindo pela outra.

Tudo por causa do médico, claro. De quem mais seria a culpa? Mas, pior que a empregada saindo pela porta, ainda era minha irmã mais velha, salpicando: 

“Mamãe, você mentiu pra mim. Prometeu que viria o Daniel, mas você trouxe duas meninas”...

Se minha mãe rasgou-se em pregas, isso ela nunca me disse. Minha mãe não falava palavrões. Isso ela passou por osmose para mim. Eu concentrei toda a capacidade dela, da minha gêmea e, acho, da família toda. Tudo que ela nunca falou, eu falei como vírgula, aposto, chamativo, exclamação, vocativo, adjetivo, metáforas, o cacete a quatro.

Mas, e os nomes? 

Um desastre só. O tormento estava só começando. Fomos chamadas de psiu por quase um mês, já que a certeza de que seríamos “um meninão” perdurara por longos oito meses. Aí, o problema foi achar dois nomes de meninas. Engraçado que meu pai queria Daniel, mas nenhuma de nós virou Daniela.

De Mara, minha gêmea virou Gina, homenagem à Gina Lolobrígida, que ela repetiria por anos a fio, incluindo o sobrenome artístico ao lhe perguntarem seu nome completo. Eu?  Virei Vany, com Y.  Para finalizar mais bonito, não ficar com cara de que passaram a faca no nome, e acho que porque já havia o Y no nome da Lyane, a mais velha, vai saber. Agora, o porquê de Vany é outra história...  

Apesar da judia lá em casa ser mamãe, o lado econômico suíço de meu pai falou alto. A intenção inicial era me chamar de Vanessa, nome de uma boneca de louça que minha mãe havia ganhado já adulta de um tio que a tinha como predileta, cujo apelido era Vany. “Vamos acabar chamando-a de Vany, mesmo, então, põe Vany logo”.  Triste, vocês vão achar, né? Eu achei – não é chique, não tem sonoridade, todo mundo sempre quer enfiar um  i (I) na frente ou um erre (R) no final, para deixar o nome ainda pior do que já é. E ainda, começa com a letra vê (V), uma das últimas do alfabeto – um saco para chamadas.   Mas, no final das contas, quem sofreu mais foi  a Gina.  Acredite, pura verdade.

O estrago só foi percebido quando já era tarde demais e todos os anos é a mesma piada – sempre no dia 27 de junho. Até hoje, meu pai fica puto comigo quando eu a sacaneio com alguma coisa!  Vem o tradicional “parabéns a você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida”... Viva Vany... 
Viva Ginaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!  

(Este texto, que abre o livro-verdade - de contos da verdadeira Vany, poderia ter sido publicado no último dia 27 de junho, data do nascimento das gêmeas. Mas é uma homenagem a outra aniversariante, de hoje, D. Nízia Studart Sombra, que durante anos, no Rio, minha "terra Natal de coração",  foi uma segunda mãe para mim. Ela não está mais entre nós, mas a homenagem fica assim mesmo, porque nosso amor mútuo vai além de tudo. Um viva, para a minha ex-"Sogrinha Kellogs-Sabor-que-alimenta"! Hora destas, a história deste codinome entra aqui tb   

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